Magom

Literatura Brasileira e Afins

domingo, 8 de novembro de 2009

UFANISMO: textos e conclusão

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
(DIAS, G. "Canção do Exílio" in Poemas de Gonçalves Dias, p.21)

Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba;
Verdes mares que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros;
Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas.
Onde vai a afoita jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral a grande vela?
Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano?
Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando veloce, mar em fora.
Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue americano; uma criança e um rafeiro que viram a luz no berço das florestas e brincam irmãos, filhos ambos da mesma terra selvagem.
A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que ressoa entre o marulho das vagas:
— Iracema!
(ALENCAR, J. "Iracema". In Obras Completas, vol. III, p. 37)

Como pudemos observar, o Nacionalismo funcionou inicialmente como uma ideologia que na literatura é divulgado como uma característica do estilo, refletida em valores como o heroísmo medieval (sendo no Brasil transformada em indianismo) e como o panteísmo (que no Brasil atinge o grau do ufanismo). Enquanto nas prosas-narrativas tal característica irá manter-se no todo de seu desenvolvimento, em vários autores de diferentes gerações, na poesia, devido à tradição literária deste gênero, o nacionalismo e seus valores serão reflexos de uma euforia inicial, baseada na crença de que o novo sistema social traria ao mundo os ideais pregados de "liberdade-igualdade-fraternidade". Porém, o que veremos a seguir é a transformação desta crença inicial num total descrédito e ceticismo em relação à humanidade. Por isso, esta fase inicial, com o domínio de tal espírito enfático será conhecida como Primeira Geração da Poesia Romântica, destacando-se internacionalmente o poeta francês Chateaubriand e, no Brasil, o poeta Gonçalves Dias.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Los Mutantes

A dialéctica ensina
Que a vida está
sempre em transformação
Em mutação
Mas pouca gente
entende esse fenômeno
Por isso
Os mutantes
Ainda não foram entendidos
Não voltaram
Nem voltarão
Pois estão
em constante
transformação
não entenderam
não entendem
nem entenderão
mas um dia ficarão
eu não sou passarinho
nem eles passarão

somos pequenos seres
em constante mutação
nós é que somos mutantes
imagine seres de outro planeta
nos vendo ficar velhos
deve ser no mínimo curioso
com vocês
o melhor do som
os mutantes
em constante mutação
os que viveram
viram
e os que mudam
veem
os que vierem
verão

e nisso foi o som de
minha vida
eu esse estranho ser
mutante
que vive em mim
e me habita

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Aos professores

Quando eu me sinto sozinho
E é assim que
quase sempre me sinto
Mas sozinho pra valer
Tenho que te falar
Que te reclamar
Que ainda tenho
Exercícios pra fazer
Que tenho ainda uma
Prova para fazer
Para refazer
Para corrigir
Uma prova para ter
Uma prova pra ser
Eu não queria ter nada
de obrigado a fazer
Mas me disseram
Mas me ensinaram
a agradecer de ter
algum trabalho pra ser...
E eu
tão preguiçoso
em existir
Tão insistente
em viver

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Machadianamente nº 06

Amigo Joaquim,
O tempo é escasso, é efêmero como bem sabes. Ando vestindo o branco numa cidade que ficou cinzenta de poluição.
Hoje me deram razão em relação à miserabilidade de nossa cidade.
A Linha Amarela... amarela. Miséria da cor de farinha de mandioca. Sucata do governo municipal. Viadutos cuja base é feita de pedras presas por uma grade de galinheiro. Inacreditável. O local chama-se "Cidade de Deus", mas – visto assim do alto —, mas parece o inferno no chão. Miséria destilada... Violência sem limite... Uma comunidade infeliz que se droga e droga a sua cidade para ver a vida mais feliz e sua cidade infeliz. Soa como a resposta dos escravos à escravidão, que bem conheceste.
Livrei-me das aulas da ilha do governador... Que horror! Não sei como sobrevivi.
A ilha do governador tornou-se um pedaço de terra cercada de poluição por todos os lados. Um fedor. Lúgubre.
Pior. Ninguém percebe. Cegueira diurna. Está morrendo... nossa baía de Guanabara, cartão de visita do Rio está morrendo.
Aqui, de volta à Mata-Cavalos, 221, penso, numa altura que não imaginas, do 11º andar, altura de Santa Tereza, da Paula Matos, penso como te sentirias nesta cidade que tanto amaste.
Estou feliz por não ter que ir mais a ilha do governador.
Abraços
Magom

domingo, 27 de setembro de 2009

Ufanismo: a ultravalorização da natureza brasileira como uma das afirmações dos valores patrióticos

No Brasil, observamos que, desde o descobrimento, a admiração pela natureza é uma constante, confirmada pelos escritos dos curiosos viajantes que por aqui passavam ou para cá vinham, criando uma atitude que ficou conhecida por edenismo (o Brasil recém-descoberto seria o paraíso na Terra, o éden bíblico), desenvolvendo naqueles que aqui nasciam a crença de que viviam na terra de natureza mais rica, pródiga e variada do mundo, gerando o espírito nativista que acabava sendo usado para diferençar os nascidos na colônia dos da metrópole. No Romantismo, em que a exaltação da natureza se torna uma característica representativa do nacionalismo e coincidindo com a necessidade de afirmação de uma nação recém-independente, a exaltação da natureza brasileira ganhará contornos de exagero e de tons míticos, tornando-se ufanista (do verbo ufanar, no sentido de orgulho exagerado, encontrado em dizeres como "... Brasil do qual me ufano...").
Esta exaltação da natureza recebe no Romantismo o rótulo de panteísmo (nome originado nas religiões primitivas cujos deuses e mitos adorados são representados pela natureza — seus fenômenos, flora e fauna) e no Brasil é acompanhada do termo ufanista pelo exagero demonstrado nos escritos de nossos autores. Com o indianismo, o ufanismo indicará também traços de brasilidade na literatura aqui desenvolvida, dando-lhe uma conotação local.
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

(...)
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

(DIAS, G. "Canção do Exílio" in Poemas de Gonçalves Dias, p.21)
Verdes mares bravios de minha terra natal, onde canta a jandaia nas frondes da carnaúba;
Verdes mares que brilhais como líquida esmeralda aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias ensombradas de coqueiros;
Serenai, verdes mares, e alisai docemente a vaga impetuosa para que o barco aventureiro manso resvale à flor das águas.
Onde vai a afoita jangada, que deixa rápida a costa cearense, aberta ao fresco terral a grande vela?
Onde vai como branca alcíone buscando o rochedo pátrio nas solidões do oceano?
Três entes respiram sobre o frágil lenho que vai singrando veloce, mar em fora.
Um jovem guerreiro cuja tez branca não cora o sangue americano; uma criança e um rafeiro que viram a luz no berço das florestas e brincam irmãos, filhos ambos da mesma terra selvagem.
A lufada intermitente traz da praia um eco vibrante, que ressoa entre o marulho das vagas:
— Iracema!
(ALENCAR, J. "Iracema". In Obras Completas, vol. III, p. 37)

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Panteísmo: a exaltação da mãe-natureza

O outro caminho encontrado com o objetivo de consolidar a ideologia nacionalista será o da exaltação da natureza, pois, se o leitor não se fixasse pela identificação com seu herói medieval, se fixaria por admirar a beleza natural do lugar em que vivia. Além disso, a glorificação da natureza servirá também como uma espécie de elogio e agradecimento ao ambiente rural, à vida campesina, pois foi graças ao domínio das leis naturais e à possibilidade de sua transformação que aconteceu a industrialização e o respectivo avanço técnico-material que possibilitou a vitória final da burguesia. Portanto, nada mais justo que os autores passassem a usar o ambiente natural não mais apenas como um cenário de fundo para os acontecimentos de uma vida idealizada, como ocorria no Arcadismo, mas passando a traduzir valor artístico, sendo utilizado como um referencial para comprar tudo o que de bom e belo significasse para o romântico e ocupando o espaço de personagem destacado, pois muitas vezes os autores projetavam seus sentimentos em elementos da natureza que passavam a ganhar características humanas num processo denominado de antropomorfização.

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara.
O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas.
(ALENCAR J. "Iracema" in Obras Completas. Rio de Janeiro, Ed. José Aguilar, 1958, vol. III, p. 238-9)
Uma noite, eu me lembro… Ela dormia
Numa rede encostada molemente…
Quase aberto o roupão… solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.
'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina…
E ao longe, num pedaço do horizonte,
Via-se a noite plácida e divina.
De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras,
Iam na face trêmulos — beijá-la.
Era um quadro celeste!… A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia…
Quando ela serenava… a flor beijava-a…
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia…"
(ALVES, C. "Adormecida" in Obra Completa, p.124-5)

terça-feira, 22 de setembro de 2009


RUA LARGA DE SÃO JOAQUIM
A união da rua Estreita e rua Larga de São Joaquim deu origem à rua Marechal Floriano. Segundo relatos da época, a rua Larga era das mais sórdidas do Rio, ocupada por prostíbulos, casas de tavolagem e esconderijos de malandros. Em compensação, era nela que estava o Imperial Colégio D. Pedro II e a residência dos Barões de Itamarati, uma das mais belas residências particulares construídas no Rio nos meados do século XIX.
Assim que a República foi proclamada, o Governo Provisório se instalou no Palácio do Itamarati, que o adquiriu por 630 contos da Baronesa. Deodoro a ele chegava todas as manhãs para os seus despachos, vindo de sua residência no Campo de Sant'Ana.
Em 1891, já em desacordo com a maioria dos seus companheiros de 89, o velho Marechal rompeu com eles e dissolveu a Constituinte, no primeiro golpe de Estado havido no Brasil após o de 1823 de Pedro I.




Rua Marechal Floriano, antiga rua Larga. Ao fundo a Central do Brasil.


Machadianamente nº 5

Prezado Joaquim Maria De Assis,
Vou tentar me atualizar.
A cidade virou um caos: qualquer anormalidade, o trânsito para (tiraram estupidamente o acento do verbo e de agora que haja ambigüidades – também aqui lhe retiraram os tremas).
Como lhe disse, o professor não tem uma sala de aula, mas várias. Dá-me mais trabalho locomover-me, lho digo, do que lecionar.
As segundas-feiras tornaram-se chuvosas para mim sempre que termino visitando a Tijuca (um belo recanto chamado Praça Afonso Pena e adjacências, mas contra o meu agrado, confesso-lho: só por dinheiro).
As terças sempre foram e são aquele inferno: ilha do governador-barra da tijuca, terminando no Centro, numa turma de que gosto muito, mas já cansado.
Quarta é agora começa mais tarde, às onze horas, mas é da tijuca pro Méier daí pra ilha (sessenta paus só de táxi – carro de aluguel).
Quinta agora é centro e tijuca.
Sexta é Copa e tijuca.
Sábado acabou. Ufa.
Mas essa semana que passou teve aula até domingo em Copa.
Copacabana? Nem sabes: passaram de Botafogo. Abriram primeiramente um túnel, hoje já chamado de Velho (a efemeridade está cada vez mais vélox). Depois o túnel do Leme se abriu e eu cheguei ao Lido. Para mim, o lugar mais encantador da cidade em que viveste, mas que esse recanto não conheceste. Copacabana, orgulha-te, considerada a praia mais linda do mundo.
O Lido será um bairro que sempre procurarei descrever-te.
Como disse minha cara consorte, deixarei de fazer esses comunicados para só criticar e os farei também para nos alegrar.
Saudações cariocas,
Magom